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terça-feira, 2 de novembro de 2010

A RETA FINAL E O FUNDO DO POÇO

Chegamos ao fundo do poço. O nível do debate político na reta final destas eleições é o pior desde 1989.

Acusações mútuas, quase todas verdadeiras, e sempre seguindo aquela máxima de uma autoridade do Governo FHC, que resumiu todas as estratégias de marketing político: “o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”.

As denúncias de corrupção apenas revelam uma característica inerente ao Estado brasileiro. Nunca deixamos de ter um Estado patrimonialista, ou seja, as estruturas de poder são tratadas como se pertencessem aos ocupantes dos cargos mais elevados, o que deveria ser público é tratado como patrimônio pessoal. Nem mesmo a nossa intrincada burocracia, criada teoricamente para dar impessoalidade à atividade estatal, serviu para diminuir essa herança histórica, onde meia dúzia transforma as instituições públicas em seus escritórios particulares.

É verdade quando Dilma diz que o governo do PSDB entregou de mão beijada o patrimônio público para as empresas privadas, também é verdade quando se acusa o governo Lula de ter dado os maiores lucros já vistos para os banqueiros e especuladores, além de não ter assumido, em relação a muitas áreas estratégicas, uma posição que protegesse os interesses nacionais.

O Estado patrimonialista só existe porque o povo não tem acesso ao controle direto dos gastos públicos. Daí eu falar, e repetir, que o sistema eleitoral que coloca a população como mera carimbadora de mandatos é uma farsa, e esta farsa é a geradora da corrupção. O modelo liberal de democracia, este que não funciona, cria condições para que os detentores de mandatos se apropriem da coisa pública. Somente com uma democracia participativa e protagonizada diretamente pelo povo é que poderemos pensar em uma administração pública mais honesta. Qual dos dois candidatos tocou neste assunto?

No Brasil é mais visível a real face do que se chama de “iniciativa privada”, o discurso dos grandes empresários é que o Estado não deve interferir nas atividades do “livre mercado”, mas quando eles próprios dão tiros no pé, é com o Estado que os capitalistas buscam se socorrer. É como uma criança malcriada que detesta e não admite que os pais lhe ponham limites, mas quando as brincadeiras dão errado é no colo da mamãe e do papai que ela vem chorar.

Bolinhas de papel e destemperos à parte temos uma campanha presidencial despolitizada, e por quê? Porque no fundo ambos não querem mudar a essência do caráter do Estado brasileiro, não querem transformar as estruturas que fazem deste país um dos mais socialmente injustos do mundo. Os discursos periféricos servem para encobrir o que ambos querem: que nada essencialmente seja mudado.

Os dois grupos que disputam a presidência agem como se o Brasil não fizesse parte do mundo, como se fôssemos uma ilha de relativa prosperidade, cercada de países em profunda crise. Grave engano. A Europa, os EUA e os demais países do primeiro mundo estão perdidos do ponto de vista econômico, não sabem se adotam as lentas medidas keinesianas, o que importaria no aumento de gastos públicos para a geração de empregos e conseqüente aquecimento da economia, ou se usam o dinheiro público para tentar restaurar o antigo modelo neoliberal: é a criança malcriada que errou e que exige dos pais que lhe permitam cometer o mesmo erro. O problema é que se os países do primeiro mundo caírem mais fundo do que estão, todo o sistema capitalista entrará em colapso, e o Brasil vai junto. Isso porque somos fundamentalmente exportadores de matérias-primas, e se não houver consumo de produtos nos países ricos não haverá para quem vendê-las. A China vive da produção e da exportação de produtos, e também perderá muito com um possível aprofundamento da crise nos países ricos.

O Brasil deveria aproveitar esse momento de crise para criar novos paradigmas de desenvolvimento, não somente do ponto de vista produtivo, mas do ponto de vista ambiental. Deveríamos debater outro modelo de Estado e uma nova maneira de nos inserirmos no mundo, um modelo que nos tirasse da periferia de um sistema falido e que nos ameaça com uma catástrofe, uma forma de sociedade mais justa onde a soberania alimentar, a distribuição de renda e poder para o povo nos colocasse em outro patamar de desenvolvimento social na história da humanidade.

Outro fator preocupante, desde o fim do primeiro turno, é a participação direta de agremiações religiosas nas duas principais campanhas. A igreja católica e muitas igrejas evangélicas vieram à luz, contra ou a favor dos candidatos. Demoramos muitos séculos para separar a igreja do Estado, o Estado laico é uma conquista para que evitemos algo que o Brasil nunca teve: conflitos por ódio religioso. No passado, muitas guerras e confrontos se deram na Europa sob os argumentos que a fé proporciona. A revolução no Irã ocorreu assim. Os embates no oriente médio têm esse componente, portanto, é preciso ter cuidado, muito cuidado.

É assim, quando o que mais importa não vem à superfície, questões que deveriam ser secundárias tomam o lugar. Preocupa-me o fato de que diante desse esvaziamento no debate político o povo também venha a ocupar, vença quem vença, um lugar secundário nos próximos anos.

Autor: Jaime Brasil Filho
Defensor Público

9 devaneios:

Anônimo disse...

Hoje vi um comentário europeu aprovando a continuidade do poder, torcendo para que continue a dar certo, mas já pensando em promover as mesmas mudança em seu próprio solo.
Que Deus nos ajude!

Solange Maia disse...

Daniel...

é uma vergonha os bastidores desse nosso país, mas ainda boto fé nas pessoas, sim, nessas que fazem pequenas diferenças, que acreditam, que são solidárias, que ensinam, que dividem...

o Brasil tem a maior riqueza do mundo : seu povo !!!!

e a gente não desiste nunca !!!

beijo enorme, estava com saudades de vir aqui....

Tony disse...

É meu amigo,

A sorte está lançada. Vamos militar para que as promessas não morram na festa de posse. Creio que a política brasileira sofre de um mau que a corrói desde longa data; ninguém governa para o povo, mas para si e seus pares.

Abraço.

Unknown disse...

Não há mais espaço no país para fazer políticas públicas se não houver consenso político. A prova disso é tanta que já é unanimidade que as reformas são necessárias: politica, tributária e administrativa.

O discurso me fez lembrar a ideologia de FHC, coisa de tempos idos. O Brasil não pode mais ser assim. Tem que pensar no futuro, e pensar grande.

O questionamento (o maior, eu creio) está na transparência. No entanto, nenhum partido político é afeito à ela na pratica por que isso, deixa brechas para corrupção.

Com certeza, mais transparência e mais participação da sociedade seria o cerne ideal, mas quem ousaria tentar?

É dessa ousadia que se fazem presidentes.

Valdeir Almeida disse...

Por isso, votei em Marina Silva no primeiro turno e não votei de forma alguma em José Serra no segundo.

A campanha eleitoral deste ano descambou para a baixaria. E tudo teve iníco com José Serra que, se achando inteligente, transformou a campanha em púlpito religioso. Será que ele só iria governar para cristãos, num país constitucionalmente laico? E os sem-religião e os que pertencem a outros crédulos.

Bom seu texto.

Abraços e ótima semana.

José María Souza Costa disse...

O seu texto é muito bom. E o seu blog muito interessante.Estou lhe convidando a visitar o meu blog, e se possivel seguirmos juntos por eles. Estarei grato esperando vc lá
Abraços
http://josemariacostaescreveu.blogspot.com

Marcela disse...

Estou até cansada de pensar em qualquer coisa relacionada à essa última eleição. Não sou petista, não sou tucano.. Ouvi mais críticas e ataques do que propostas. Deu o que tinha que dar!

Sonia Pallone disse...

Concordo em gênero, número e grau com o comment da Marcela...E digo mais: Ainda bem que Marina não apoiou ninguém, mais um ponto pra ela! Bjs.

Camilla K. Boyle disse...

De facto o horário político destas elições parecia um programa de comédia, acusações mútuas que colocavam em segunda instância aquilo que é mais importante: o destino do Brasil. Gostaria que a Marina tivesse ganho, mas entre os outros dois, ainda prefiro a Dilma. É verdade que nenhum dos dois candidatos se propôs a levantar a podridão da plutocracia brasileira que sozinha domina o país como uma gigantesca Máfia saida de uma obra de Mario Puzo.

Quando ao Brasil, cabe ao povo brasileiro ver se quer uma cópia de um modelo neoliberal que domina nos Estados Unidos onde há discrepâncias astrómicas entre os sortudos que frequentam Harvard e Yale e os pobres coitados que nem sabem localizar a Inglaterra no mapa... o modelo kenesiano seria uma boa ideia, veja o que ele fez pelos países escandinavos...

BOO-BOX!!!

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